Artigo: O Choque Argentino no MERCOSUL

Orlando Monteiro da Silva*

A vitória da oposição na Argentina era esperada, dado os problemas econômicos por que passa aquele país, mas não com uma diferença tão grande. Os 16% a favor da chapa oposicionista de Alberto Fernández e Cristina Kirchner (49% a 33%) assombraram os mercados locais, que reagiram com mudanças muito significativas em alguns indicadores econômicos. Em um único dia o índice da bolsa de valores na Argentina caiu 38%, a taxa de câmbio sofreu desvalorização de 30% e, para conter a saída de dólares do país, o governo aumentou a taxa de juros em 10% (64 para 74% ao ano).

E como isso afeta os parceiros do MERCOSUL? É importante ressaltar que a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, responsável por US$ 15 bilhões das nossas exportações em 2018 e maior importador de produtos manufaturados. O efeito de uma desvalorização tão grande do Peso argentino em relação ao Dólar e, consequentemente, em relação ao Real, tem efeito direto nas relações comerciais entre os países. A persistir a desvalorização, as importações daquele país deverão cair pelo aumento dos preços dos produtos em Pesos, enquanto as exportações tendem a aumentar, pois cada Dólar ou Real passam a comprar mais Pesos. A lógica é que uma desvalorização de X% da moeda argentina é equivalente à uma tarifa de X% em todas as importações e de um subsídio de X% nas exportações daquele país. Ainda que a participação da Argentina no comércio internacional não seja tão grande, o aumento nos preços dos produtos importados e exportados vai contribuir para a elevação da inflação, que, atualmente, já está em torno de 55% ao ano. A inflação mais elevada vai afetar os mais pobres, enquanto o aumento da taxa de juros vai desestimular o investimento produtivo e a geração de empregos. Maus presságios!

O MERCOSUL foi criado em 1991 como uma Área de Livre Comércio, tendo como participantes, além do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, que reduziram as tarifas do comércio entre si. Atualmente o bloco é uma União Aduaneira imperfeita, pois adotou-se uma Tarifa Externa Comum, mas, com centenas de exceções em cada país. Há uma grande assimetria econômica entre os países, mas o comércio cresceu mais de 8 vezes. A Venezuela foi admitida em 2012 e suspensa em 2017. O bloco pouco avançou em termos de integração e acabou perdendo importância ao longo dos anos pela ideologia política dos governos de esquerda. Agora, apesar da perspectiva de um bom acordo com a União Europeia, o MERCOSUL continua sem ser prioridade.

De imediato, o efeito desse choque no mercado brasileiro foi pequeno (uma queda de 2% no índice da BOVESPA), mas espera-se consequências maiores nos prazos médio e longo. Variações de tal magnitude afetam os preços relativos e desviam recursos da sua aplicação mais eficiente. Como explicado acima, a desvalorização do PESO equivale a uma grande tarifa nas importações dos produtos brasileiros (principalmente automóveis), que terão suas vendas reduzidas na Argentina, com todas as consequências sobre as cadeias produtivas nos dois países. É mais um complicador para o já combalido MERCOSUL.

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.