Artigo: Uma nova guerra comercial está no ar
Orlando Monteiro da Silva*
Após uma reclamação formal feita há 15 anos atrás, os Estados Unidos foram autorizados pelo Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) a aplicarem US$ 7,49 bilhões em tarifas retaliatórias à União Europeia (UE), como compensação aos subsídios ilegais concedidos pela UE à fabricante de aviões Airbus. A primeira sentença ocorreu em 2011, mas como a UE não suspendeu os subsídios, os Estados Unidos foram autorizados a retaliar. A opção dos Estados Unidos foi por cobrar tarifas de 10% sobre os aviões e 25% sobre produtos agrícolas e industrializados típicos dos países europeus. Anunciou-se a taxação dos vinhos e azeitonas da França, uísque e roupas de cama do Reino Unido, café e máquinas da Alemanha, queijos da Itália e carne de porco e azeite de oliva da Espanha. A decisão americana vai gerar mais um imbróglio nos mercados internacionais e trazer mais incerteza para a economia.
A solução de controvérsias é considerada o pilar central do sistema multilateral de comércio, por tornar o sistema de negociação mais seguro e previsível. Na época do antigo GATT já existia um procedimento para resolver as disputas comerciais entre os países, as quais eram facilmente bloqueadas e se prolongavam por longos períodos de tempo. Sob aquele sistema, as decisões só podiam ser tomadas por consenso e uma única objeção poderia bloquear a decisão. Com a criação da OMC, em 1995, foi introduzido um processo mais estruturado, com etapas e prazos claramente definidos para a resolução das disputas e sob o qual, as decisões são tomadas automaticamente, a menos que haja um consenso para rejeitá-la. Ao se tornarem membros da OMC os países se comprometem a respeitar os procedimentos acordados e os julgamentos.
Uma disputa surge quando um país adota uma medida ou ação política que um ou mais países membros considere que esteja violando os acordos da OMC. Feita uma reclamação, os países envolvidos tem até 60 dias para conversar e tentar resolver as diferenças. Se as consultas entre eles falharem, o país reclamante pode pedir a formação de um painel de especialistas para julgar o caso. A resolução da disputa é de responsabilidade do Órgão de Solução de Controvérsias, que é uma outra forma do Conselho Geral, formado pelos representantes de todos os países membros, se reunir. É esse órgão que estabelece os “painéis” de especialistas (de 3 a 5 membros) que vão analisar o caso e indicar o que deve ser feito sobre as medidas questionadas. Ao órgão de solução de controvérsias cabe, também, aceitar ou rejeitar os resultados dos painéis, tendo o poder de autorizar uma retaliação temporária caso o país perdedor não adeqúe a sua política de acordo com a decisão ou recomendação final do julgamento.
O valor da retaliação concedido nesse caso aos Estados Unidos, equivale aos danos causados à empresa americana Boeing e deveria, se possível, ser aplicado em produtos do mesmo setor (aéreo), incentivando a UE a cumprir as normas questionadas. A aplicação de tarifas em produtos agrícolas e manufaturados típicos da UE, inclusive de países que não têm ligação direta na produção da Airbus (Itália), mostra o estilo Trump de fazer política, sempre com alarde e objetivos obscuros. É importante lembrar que a UE tem um processo semelhante na OMC contra os Estados Unidos, pelos mesmos motivos (subsídios dados à Boeing), com decisão prevista para alguns meses. Guerra à vista!
*Professor Titular da UFV.
Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.