Artigo: Padrões privados e comércio internacional
Orlando Monteiro da Silva*
O comércio internacional está muito regulado na atualidade. Com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995, os países membros tiveram que aderir às normas não tarifárias dos Acordos de Barreiras Técnicas (TBT) e de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS). Como os próprios nomes indicam, tais acordos ditam padrões técnicos e sanitários aos produtos, que as empresas exportadoras devem adotar, se o objetivo é acessar os mercados dos outros países membros. A adoção de normas e regulamentos técnicos e o controle de doenças e pragas transmissíveis aos humanos, animais e plantas beneficiou em muito o comércio, principalmente, por transmitir confiança aos consumidores na aquisição de produtos padronizados e mais seguros.
Usualmente, as normas técnicas, sanitárias e fitossanitárias são emitidas por órgãos governamentais dos países (INMETRO, ANVISA e MAPA, no caso do Brasil) e repassadas aos parceiros comerciais por meio de notificações a OMC. Acontece que, além dessas medidas públicas, existem também as medidas ou padrões privados, que englobam quaisquer requerimentos ou condições estabelecidas por entidades não governamentais, incluindo varejistas, atacadistas, associações nacionais de produtores ou grupos da sociedade civil. Como exemplos, pode-se citar o requerimento por uma rede de lanchonetes de que a carne utilizada em seu hamburguer seja originária de boi-verde (alimentado somente por capim), ou, por uma cadeia de móveis de madeira, de vender produtos certificados com origem em florestas plantadas.
Os padrões privados já existem há bastante tempo e tem sido utilizados para diferenciar a qualidade dos produtos (ex: produtos orgânicos) ou a preferência dos consumidores (ex: práticas de comércio justo – fair trade). Contudo, eles proliferaram, principalmente, com a adoção do Food Safety Act, lei de 1990 da Inglaterra, que estabeleceu que as empresas do setor de alimentos, seriam responsabilizadas pela segurança dos produtos que fornecessem aos consumidores. Na União Europeia, um aperto na legislação relativa aos resíduos de pesticidas na horticultura e os escândalos na segurança alimentar, com o “mal da vaca louca”, minaram a confiança dos consumidores e levaram a criação da General Food Law, que também colocou a responsabilidade legal primária de garantir a segurança alimentar nos operadores das empresas do setor de alimentos. A resposta imediata dos varejistas foi aumentar o monitoramento e o controle sobre as cadeias de suprimento, levando as empresas a criarem seus próprios padrões (Red Tractor, EUREPGAP, Tesco Nature Choice, etc). Ressalta-se que, além do foco na segurança alimentar, esses padrões frequentemente incluem questões relevantes para a imagem da marca ou empresa, tais como o impacto sobre o meio ambiente, o bem-estar dos animais ou as condições de trabalho.
É fato que os padrões privados ajudam os produtores a melhorar a qualidade dos seus produtos para atender os mercados mais exigentes de alta renda. No entanto, eles são muito mais restritivos e prescritivos do que os requerimentos oficiais de importação aumentando os custos de transação, pela imposição de processos produtivos mais rigorosos e com custos maiores de adequação e inspeção. A grande preocupação é que os pequenos produtores dos países menos desenvolvidos estejam sendo excluídos das cadeias de suprimento de alto valor dos países ricos, não só pelos custos mais altos, mas também, pelo pequeno poder de barganha, quando comparado ao dos grandes produtores e das empresas multinacionais.
*Professor Titular da UFV.
Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.