Artigo: Me dê motivos
Orlando Monteiro da Silva
Medidas relacionadas aos regulamentos técnicos, às normas sanitárias e fitossanitárias e, às regras ambientais, se transformaram em questões primordiais ao comércio internacional. Nos países de renda mais alta, medidas regulatórias rigorosas são justificadas pela melhoria generalizada da qualidade de vida, o que tem aumentado a demanda por segurança e encorajado o consumo de produtos sadios e ambientalmente corretos. O acesso a esses mercados ficou mais difícil e está condicionado à conformidade dos produtos às normas sanitárias e fitossanitárias, aos regulamentos e padrões técnicos dos produtos, às regras ambientais e até mesmo às questões religiosas que determinam padrões de abate e manejo, no caso dos animais.
Apesar da legitimidade dos objetivos por trás dessas medidas, muitas vezes eles resultam em barreiras ao comércio, por discriminarem certas importações, ou por criarem dificuldades concretas para a adequação dos produtos a esses padrões. Essas dificuldades se tornam maiores pelas diferenças com as quais cada país impõe seus objetivos legítimos e dessa maneira reduzem o acesso de terceiros países aos seus mercados. Foi por isso que a Organização Mundial do Comércio (OMC), criou os Acordos de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS) e o Acordo de Barreiras Técnicas (TBT). Baseados na não discriminação, na minimização das distorções ao comércio, na harmonização dos padrões internacionais e, na transparência, esses Acordos facilitaram bastante o comércio, num momento em que as tarifas vinham sendo substituídas por medidas não tarifárias.
Todo esse processo causou uma mudança dramática na forma pela qual a produção e o comércio internacional são organizados, com implicações importantes para governos, produtores e consumidores. Uma oferta consistente de produtos de qualidade, o monitoramento dos padrões, a certificação e a adequação às cláusulas dos acordos comerciais, são condições sine qua non para a participação e permanência nos mercados externos, que, quando conquistados, devem ser mantidos por relações de confiança e credibilidade entre os parceiros.
Não foi o que aconteceu, por exemplo, em 2017, no caso da operação “Carne Fraca”, da Polícia Federal. Naquela oportunidade, o objetivo era identificar irregularidades em frigoríficos brasileiros, onde fiscais participavam de esquemas de corrupção para esconder eventuais problemas da qualidade da carne. Contudo, a divulgação sensacionalista da operação “vendeu “uma imagem ruim da carne brasileira, quebrando a confiança de muitos países, que reduziram imediatamente as importações. Levou um bom tempo para que a credibilidade fosse recuperada.
Fato similar ocorreu agora com a questão ambiental em função das queimadas na Amazônia. A polêmica interna sobre a veracidade das informações sobre as queimadas, o desdém governamental sobre os recursos externos e a atuação das ONGs na proteção das florestas, tiveram grande repercussão nas mídias internas e internacionais, afetando novamente a imagem do país, o que terá um custo sobre nossas exportações agrícolas e acordos comerciais. Se as cláusulas ambientais e de sustentabilidade produtiva são motivos para retaliações comerciais, nossos concorrentes e parceiros, certamente, irão adotá-las.
*Professor Titular da UFV.
Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.