Força de trabalho feminina impacta mercado de Defesa Sanitária

A força de trabalho feminina talvez não seja exatamente o que marca o imaginário popular quando pensamos no mercado de defesa sanitária, mas um olhar mais apurado pode nos ajudar a reconstruir, aos poucos, esse ponto de vista. Se as mulheres ainda não são maioria nos trabalhos de campo e nem ocupam as cadeiras de professores/orientadores nos cursos de graduação e pós-graduação em igual proporção, elas têm participação pra lá de expressiva na geração de conhecimento, entregando frequentemente estudos e projetos fundamentais para o desenvolvimento do setor em todo o país. No Mestrado Profissional de Defesa Sanitária Vegetal, elas assinam mais de 30% das dissertações defendidas até hoje – mas mais do que números, estamos falando de qualidade. 

“Eu tive a experiência de orientar homens e mulheres, e posso dizer que a dedicação – e o resultado – das minhas orientandas salta aos olhos”, atesta Elisangela Gomes Fidelis, orientadora do MP e pesquisadora da Embrapa/Cerrados. Elisangela, que é mestre e doutora em Entomologia pela UFV, conta que viveu seu maior desafio profissional por volta de 2010, quando passou no concurso da Embrapa e assumiu uma vaga de entomologista no Norte do Brasil, na região de Boa Vista.  “Foi desafiador porque eu estava longe de família e amigos, numa região muito quente, muito isolada geograficamente, e havia muita resistência ao trabalho de uma mulher, especialmente em termos campo. Mas tenho muito orgulho deste trabalho, foi onde cresci profissionalmente, onde fiz minha carreira por quase dez anos.” Radicada hoje em Brasília, ela acaba de retornar à sua rotina de trabalho, depois de sua primeira licença-maternidade. “É lógico que a maternidade interfere, mas não é impedimento para ser uma pesquisadora. Precisamos, como mulheres, nos colocar, nos posicionar, para mostrar que somos tão capazes quanto os homens.”

Rosinei fez trabalho de campo no Mato Grosso

Impacto no campo
A agrônoma Rosinei Santos acaba de defender, com orientação de Elisangela, a dissertação “Diagnóstico e fatores determinantes de pragas em pastagens no município de Santa Terezinha, Mato Grosso”. O trabalho surgiu de uma demanda dos produtores rurais da região, com quem a pesquisadora já trabalhava, e o resultado terá impacto direto na pecuária bovina, principal atividade econômica local. “Não tínhamos um trabalho técnico científico com informações que determinassem a presença de inseto-praga relacionados a pastagem. Esse trabalho poderá embasar nossas atividades do dia a dia, com métodos de controle e recomendações que possam propiciar a convivência com o inseto-praga e gerar estratégias”, diz Rosinei. Certa de que o curso do mestrado lhe rendeu maior espírito crítico, ela conta que precisou enfrentar a baixa representatividade e o preconceito contra as mulheres desde que iniciou sua formação. “Sem dúvida, o ambiente que convivo é composto por muitos colegas do sexo masculino, que em sua maioria tinha ou tem a convicção que lugar de mulher é em casa. Mas a forma com que lido com essa situação até hoje me proporcionou ser respeitada, ser ouvida e/ou, pelo menos, ficar no espaço profissional que decidi ocupar.” 

“Vejo um aumento contínuo das mulheres nas turmas do mestrado profissional e, pela experiência que tenho tido nas aulas, as mulheres são mais participativas e abordam assuntos variados com conhecimento e experiências adquiridos no universo profissional do qual elas fazem parte. Com certeza os espaços estão se abrindo para mulheres nesta área e elas vêm ganhando papel de destaque em muitas pesquisas que realizam”, endossa Wania dos Santos Neves, orientadora do Mestrado Profissional e pesquisadora da Epamig. Wania, também mestre e doutora pela UFV, identifica um aumento da presença de mulheres tanto na defesa sanitária vegetal quanto em outras áreas das ciências agrárias. “Podemos ter acesso a publicações de estudos realizados em que é relatado o aumento da produção científica feminina no Brasil, nos últimos 20 anos. Segundo tais, estamos perto de atingir 50% da produção científica total do país e esse fato é muito importante para que as mulheres sejam vistas e respeitadas no universo da pesquisa científica.”

Mercado de trabalho
O desafio, neste contexto, parece ser fazer com que as profissionais, cada vez mais capacitadas, consigam lugar à sua altura no mercado de trabalho. “A gente ainda vê muita dificuldade na inserção destas mulheres no mercado, principalmente em cargos de chefia, no topo de carreiras mais especializadas. Há casos de mulheres que se submetem a cargos muito aquém do que poderiam estar fazendo”, alerta Elisangela. Wania completa chamando a atenção para um outro tipo de desigualdade. “Em uma entrevista de emprego, muitas vezes é perguntado à mulher se ela tem filhos pequenos, se tendo filhos pequenos eles não atrapalhariam a realização de atividades, como viagens, por exemplo. A questão é que essas perguntas não são feitas ao homem, porque os afazeres domésticos e os cuidados com os filhos são automaticamente tidos como parte das obrigações das mulheres na vida familiar.”

Além de orientar estudantes do mestrado, Wania atua hoje na Epamig Sudeste, desenvolvendo, ao lado da também orientadora do MP, Madelaine Venzon, pesquisas sobre controle alternativo de pragas e doenças, além de trabalhos de extensão que levam conhecimento à população de áreas rurais em dezenas de cidades da Zona da Mata mineira. Depois de anos de carreira, ela diz que o preconceito não faz parte de seu dia a dia, mas nem sempre foi assim. “Vivi um grande desafio ao ser chefe geral de uma Unidade da Epamig que, antes, não havia tido mulheres no cargo. Em muitas reuniões externas, eu era a única mulher presente e, inicialmente, algumas vezes não era ouvida. O mesmo acontecia quando ocorriam problemas nos Campos Experimentais, eu era a única mulher da área técnica presente no comitê gerencial. Inúmeras vezes eu era questionada sobre a posição e/ou decisão que eu tomava, e muitas vezes criticada duramente por outros colegas.” 

Edna passou pelo mestrado em 2018 e é hoje professora do Instituto Federal de Educação do Pará

A professora do Instituto Federal de Educação do Estado do Pará Edna da Silva Brito passou pelo mestrado profissional entre 2017 e 2018, realizando uma pesquisa em torno de pimenta malagueta e plantas aromáticas como manejo de pragas. Com uma carreira consolidada como fiscal agropecuária e, em seguida, como professora, foi na UFV que ela encontrou não só oportunidade de desenvolvimento profissional como também de empoderamento. “Pude perceber a importância para as mulheres de se sentirem mais confiantes e reconhecidas por sua participação, principalmente na ciência, onde ainda somos minoria”, diz ela, citando a desproporção entre doutores e doutoras na instituição em que atua. “Com a conclusão do mestrado, progredi na carreira, saindo do nível um para o nível três e, com o aumento salarial, passei a receber igual a um doutor devido ao reconhecimento de saberes e competências (RSC), uma lei que beneficia professores do Ensino Básico Técnico e Tecnológico. Com essa experiência, percebo que cada vez mais sigo um caminho com novas visões e metas para o meu futuro”, diz ela, que tem hoje dois doutorados em curso – na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e na Univates/RS

Inspiração
No curso de Mestrado Profissional, Edna, que além de pesquisadora e professora é mãe de quatro filhos, encontrou ainda outro elemento que ela julga fundamental para a construção de sua carreira: inspiração. “Na pesquisa de mestrado fui orientada pela Madelaine Venzon, uma profissional incrível e com muitos talentos. A vi como um espelho para minha carreira profissional”, conta, lembrando da importância do apoio de professoras e colegas estudantes para a criação de um ambiente encorajador. Madelaine, que acumula trabalhos de grande repercussão na área de controle de pragas, destaca o desafio de conciliar as múltiplas tarefas que as mulheres frequentemente assumem e a importância de reconhecer o tempo de cada coisa. “Fico muito feliz em ser citada como exemplo e inspiração. Tenho uma ótima relação com os colegas e com os estudantes, estamos aqui para contribuir, para aprender uns com os outros. É muito bom convergir os papéis de pesquisadora com os de orientadora e de professora, são complementares, é rico para mim e para os estudantes”, diz ela, que é pesquisadora da Epamig.

Também para Rosinei, ser orientada por uma mulher durante o mestrado foi um privilégio. “Tive a oportunidade de conviver com a professora Elisangela, uma mulher que, em sua área profissional, é uma referência de conhecimento e sucesso. Desenvolver um trabalho dessa envergadura com uma pessoa que compreende todas essas dificuldades faz com que o trabalho flua”, conta a agrônoma, destacando ainda a parceria fundamental da própria família. “Isso (o sucesso profissional) não foi uma conquista só minha, meu esposo e meus três filhos fazem parte. Entender que em determinados momentos é preciso dar prioridade a determinada ação é o que faz diferença – não conseguimos ser excelentes em tudo a todo momento e ao mesmo tempo, e não devemos ser cobradas e nem nos cobrar por isso.”