Opinião Orlando Silva – Dólar Soja, Dólar Malbec e Dólar Netflix: Múltiplos Problemas
Orlando Monteiro da Silva*
O governo argentino anunciou a criação de mais uma taxa de câmbio preferencial. Dessa vez, foi para o vinho e em alusão à uva característica daquele país, denominou-a como dólar “Malbec”. Ela vem se juntar ao dólar “soja”, que vigorou a partir de setembro do ano passado e mais de uma dezena de outras taxas que já vigoravam no país. Também, já foram anunciadas outras taxas para as exportações do limão e do algodão. Segundo o ministro da fazenda, o objetivo é “ajudar a recuperar a competitividade das exportações e a consolidar as reservas cambiais da Argentina”.
Uma taxa de câmbio mede o preço das moedas ou, a quantidade de uma moeda nacional necessária para comprar uma unidade de moeda estrangeira. É utilizada nas transações comerciais entre os países e não é incomum que existam mais de uma taxa de câmbio nos países. Naqueles onde há muita intervenção dos governos nos mercados, por exemplo, existe além da taxa de câmbio oficial, fixada pela autoridade monetária, uma taxa de câmbio paralela, determinada pelas forças de oferta e demanda do mercado. O que não é comum, é a utilização de taxas de câmbio múltiplas onde coexistem inúmeras cotações para uma moeda forte como o dólar. Essa é a situação prevalente na Argentina, país com frequentes crises econômicas, onde a moeda local (Peso) perdeu totalmente a credibilidade. A emissão contínua da moeda local, as altas taxas de inflação e o controle contante das quantidades de dólar que as pessas podem adquir, geraram tamanha desconfiança na moeda nacional, que os habitantes do norte do país preferem utilizar a moeda do país vizinho (Bolivia), enquanto os habitantes do sul, tem tido sua moeda rejeitada para compras no Uruguai. Como confiar em uma moeda que perde valor todos os dias? Com o dólar no paralelo custando o dobro da cotação oficial, as pessoas que dispõem de dólar podem trocá-lo por duas vezes mais Pesos na cotação paralela e, portanto, comprar produtos e serviços pela metado do preço.
As múltiplas cotações para o dólar na Argentina tiveram as mais diferentes razões. Além do controle do câmbio das exportações e importações, tem-se os impostos sobre o dolar para compra de passagens aéreas, assinaturas de streeming, operadores de criptomoedas, para turistas residentes e estrangeiros, incentivos aos aplicadores em títulos do governo e em recibos de ações, além daqueles para as exportações de produtos agrícolas selecionados, em diferentes períodos de tempo. Uma confusão! Pode-se imaginar os inúmeros problemas advindos dessa opção política. Um deles é administrativo, à medida que o controle das diferentes taxas é mais complexo e mais caro. Um outro é o crescimento do mercado negro. Com grandes diferenças entre as taxas haverá sempre aqueles que vão procurar tranferir transações de um mercado cambial para outro ou, por meio do super ou subfaturamento das importações ou exportações e venda dos dólares no mercado livre, procurar realizar algum lucro. Também, existirão sempre os fluxos especulativos sobre as reservas cambiais do país, decorrentes dos atrasos nas remessas de dólares obtidos com as exportações e das antecipações dos pagamentos das importações. Fica, portanto, a pergunta: qual seria a taxa de câmbio que melhor representa as condições básicas da economia argentina?
* Professor colaborador/voluntário da UFV. Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.