Opinião Orlando Silva – A primeira tarifa de importação de carbono

Orlando Monteiro da Silva*

Deverá entrar em vigor em 2023, na União Europeia, a primeira tarifa alfandegária (imposto de fronteira) sobre a emissão de carbono pelos produtos importados. As preocupações ambientais levaram o Parlamento Europeu a adotar em dezembro passado essa medida, que, em princípio, incidirá sobre as importações de produtos intensivos em carbono tais como ferro, aço, cimento, alumínio, fertilizantes, eletricidade, hidrogênio, entre outros. Sob o argumento da melhoria nos padrões ambientais mundiais o objetivo principal é o da proteção da indústria local, já que os importadores terão de pagar por licenças de emissão de carbono (licenças para poluir) o mesmo preço pago pelos produtores domésticos daqueles produtos. A equiparação desses custos protege as empresas da União Europeia da competição internacional e evita a mudança da produção local para países de fora do bloco, onde as exigências ambientais são menores.

O mecanismo de taxar as importações de carbono nas fronteiras vem sendo discutido há décadas e consiste em impor uma taxa sobre o preço do produto importado equivalente à diferença de preço da emissão de carbono no país produtor e no país importador. As emissões de carbono e de outros gases poluentes geram um custo social (externalidade) que, quando incorporado ao valor dos produtos, elevando-os, são considerados como a melhor maneira de reduzir as emissões e de corrigir essa falha de mercado. Contudo, existem várias questões a serem observadas sobre a avaliação desse custo social. Uma delas é que muitos países não precificam suas emissões de carbono e, entre os que o fazem, há grande diferença nas metodologias de cálculo e nos valores calculados. Isso exigiria a imposição de tarifas variadas de acordo com a origem do produto importado, dificultando a administração do processo e gerando mais ruido no mercado. Se a opção for por uma tarifa única, o compromisso assumido no Acordo de Paris, da responsabilidade comum (o aquecimento global é um problema de todos os países) mas diferenciado (países historicamente mais industrializados deveriam contribuir mais) vai ser questionado. Também, os princípios de não discriminação da Organização Mundial do Comércio (OMC), como os da Preferência Nacional e da Nação Mais Favorecida, certamente serão acionados. 

O aquecimento global é uma preocupação generalizada e a redução dos gases do efeito estufa torna-se essencial e urgente. A introdução de uma tarifa de importação em um mercado tão importante quanto o da União Europeia pode até encorajar os produtores dos países exportadores a adotar metas mais ambiciosas de precificar suas emissões de carbono para evitar os efeitos dessa taxa. No entanto, a adaptação para uma economia de baixo carbono vai exigir mudanças maiores nas atividades econômicas de produção, distribuição e consumo. Talvez, a contribuição do comércio internacional fosse maior com a redução das barreiras tarifárias ou não aos produtos ambientais e uma maior difusão das tecnologias ambientais entre os países. 

* Professor colaborador/voluntário da UFV. Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: Licenças de Importação

Orlando Monteiro da Silva*

Uma Licença de Importação (LI) é uma autorização para importar um produto qualquer. Os governos exigem a apresentação, pelo importador, de um documento que contenha informações comerciais e financeiras sobre o produto a ser importado, tais como a sua nomenclatura, peso, valor, origem e os termos de comércio (Incoterms). A maioria dos produtos está isenta das licenças de importação, mas, ainda assim, em quase todos os países ainda há a necessidade da apresentação dessas informações para efeitos de compilação das estatísticas do comércio. A exigência das licenças ocorre, usualmente, para que os países tenham controle sobre os produtos sensíveis ou estratégicos. Entre os produtos para os quais elas são necessárias (alimentos, medicamentos, armas, etc) existem as licenças automáticas e as não automáticas. Como o próprio nome indica, no caso das licenças automáticas, ocorre uma aprovação automática dos pedidos de importação e os governos tem até 10 dias para emiti-las. As licenças não automáticas, por outro lado, são mais restritivas, necessitando da anuência de um ou mais órgãos internos (No Brasil: MAPA, ANVISA, INMETRO, Exército, etc) e com prazo de até 60 dias para sua emissão.

A dilatação do prazo para a emissão das licenças e os custos envolvidos em obtê-las podem fazer com que elas se tornem barreiras não tarifárias efetivas ao comercio internacional. A Organização Mundial do Comércio (OMC) Tem mostrado que as licenças de importação têm se constituído numa das principais medidas restritivas ao comércio. Vejam o exemplo recente da Argentina que ampliou de 1.200 para 1.500 (14,8% do total) o número de produtos que precisarão de licença prévia para a importação[1] e reduziu o tempo de validade das licenças de 180 para 90 dias.

Com a criação da OMC, em 1995, instituiu-se o Acordo de Licenças de Importação. O objetivo era evitar que o uso inapropriado dessas licenças diminuísse desnecessariamente o comércio internacional. O acordo tem participação obrigatória de todos os países membros da OMC, que devem publicar e tornar disponíveis as normas relativas às licenças de importação, uma lista dos produtos sujeitos a elas e os órgãos anuentes internos a serem abordados. Sugere a utilização de formulários simples e que o processamento das solicitações seja rápido (até 60 dias) e com um período razoável de validade. Existe um Comitê específico na OMC, formado por representantes dos países, que recebe as notificações relativas à todas as questões do Acordo e que permite a consulta e questionamentos entre os países. Disputas comerciais relativas ao acordo de licenças de importação são encaminhadas ao órgão de solução de controvérsias da OMC. Desde 2018, um novo banco de dados da OMC fornece aos países membros acesso direto às leis, regulamentos e produtos sujeitos às licenças de importação de cada parceiro comercial.

No Brasil, as consultas sobre a necessidade das licenças de importação devem ser feitas no Portal Único de Comércio Exterior (SISCOMEX)[2] do governo federal. O módulo “Tratamento Administrativo” fornece informações dos produtos sujeitos à licença e dos órgãos responsáveis pela anuência.

[1] https://www.agoranoticiasbrasil.com.br/argentina-aumenta-regras-de-controle-sobre-importacoes/

[2] https://portalunico.siscomex.gov.br/portal/

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: Morcegos, Pangolins e o Comércio Internacional

Orlando Monteiro da Silva*

A preocupação mundial do momento é com o novo coronavirus, batizado de COVID_19. Ele pode causar infecções respiratórias graves e insuficiência renal que levam à morte, sendo um grande problema para a saúde pública, pela facilidade de transmissão entre humanos.

Existem evidências de que esse vírus cuja cepa surgiu na cidade de Wuhan, da província chinesa de Hubei, originou-se de morcegos. Os morcegos podem carregar diferentes vírus, sem apresentar sintomas e transmiti-los diretamente aos humanos, se forem comidos, ou a outros animais. Outros casos de doenças causadas pelo coronavirus foram os da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), em 2002, que surgiu, também na China, tendo como hospedeiro intermediário um gato silvestre (civete) e o da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), em 2012, quando o hospedeiro intermediário foi o camelo. Dessa vez o indicado como hospedeiro foi o Pangolim, um tatú de escamas, muito apreciado como iguaria, cujas escamas atribuem-se efeitos medicinais. A sequência do genoma do COVID-19 encontrado nos pangolins indicou similaridade de 99% com a sequência do surto nos humanos.

Independente se o COVID-19 foi transmitido diretamente pelos morcegos ou, indiretamente pelo pangolin ou qualquer outro animal silvestre, o que importa são as consequências advindas desse novo surto infeccioso. Já são contabilizadas centenas de mortes na China e um medo generalizado de que se torne uma pandemia mundial.

Efeitos econômicos imediatos foram sentidos com quedas nos índices de todas as bolsas de valores do mundo. À medida que informações foram surgindo de que o comportamento da doença é similar ao das anteriores, houve alguma recuperação, mas os efeitos no comércio internacional ainda se fazem sentir e devem perdurar. O comércio internacional inclui a troca de produtos, serviços e fatores de produção entre os países, aumentando a interdependência e a renda dos parceiros comerciais.  Essa interdependência aumenta a renda mundial, mas também torna produtores e consumidores mais vulneráveis à quebra dos padrões normais de comércio. Ao isolar 11 milhões de pessoas em Wuhan e cortar o acesso de entrada e saída da província de Hubei, um grande choque ocorreu na produção e comércio locais e mundial. Centenas de grandes fábricas foram paralisadas, deixando de utilizar insumos e componentes importados de outros países, assim como peças e componentes ali produzidos deixaram de ser exportados, afetando a produção e a renda de outros países. Os serviços de transporte foram cortados e milhões de consumidores dali e de outros países tiveram suas oportunidades de produção e consumo reduzidas. Reduzidas, também, estão as viagens de turismo de negócios e de lazer. Os preços das commodities minerais e da energia (petróleo e gas) caíram no mercado internacional pela redução na demanda. Apesar da dificuldade em quantificar tais efeitos, pode-se inferir que eles serão relevantes, pois a economia chinesa tem uma participação em torno de 15% de tudo que é produzido no mundo. A magnitude das quedas da renda regional e do comércio mundial vai depender da transmissão da doença e variarão dependendo do tempo em que o COVID-19 estiver fora de controle.

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: A opção da Argentina em taxar as exportações agrícolas

Orlando Monteiro da Silva*

O presidente Alberto Fernandes iniciou seu mandato na Argentina com um decreto (37/2019) que instituiu medidas econômicas rigorosas e declaradas como “urgentes” para combater a grave situação das finanças públicas do país. Segundo o jornal Clarín[1], aquele país tem, atualmente, uma inflação de mais de 50% ao ano e uma dívida externa total de mais de 100 bilhões de dólares (57 bilhões somente com o FMI). Entre outras medidas, adotou-se, uma elevação dos impostos sobre as exportações agrícolas. A taxação das exportações que já existia e era de 4 pesos por dólar exportado (em torno de 6,5%), foi substituída por outra que cobrará 9% de todos os grãos, carnes, leite e centenas de outros produtos. No caso da soja, principal produto de exportação do país, essa taxa vai se somar a uma taxa anterior de 18%.

Quais as consequências econômicas internas e externas de tais medidas?  A Argentina é um grande exportador de soja, trigo e carnes e, a expectativa do governo é que esse imposto sobre os produtos exportados os permita aumentar a receita em US$ 1,8 trilhões. O imposto cobrado sobre os produtos exportados aumenta o seu preço para os importadores de outros países. A reação virá por meio de uma redução nos volumes comprados dos produtos mais caros da Argentina e sua substituição por outros mais baratos de outros países. O preço líquido recebido pelos exportadores vai ser menor e vai direcionar parte das vendas externas para o mercado doméstico. Esse aumento das vendas internas, a preços menores, induzido pelo imposto, vai estimular o consumo, mas vai, também, desestimular a produção, pois as receitas dos produtores serão menores. A taxação das exportações tem, portanto, efeito igual ao de uma redução na produção e um aumento do consumo interno.

A política descrita acima não é das melhores, mas é o que se tem para o momento. A agricultura é a maior fonte de divisas da Argentina e essa é a única maneira de arrecadar fundos e cumprir os compromissos orçamentários de curto prazo. Em um país em que a pobreza tem crescido a olhos nus, a queda dos preços dos produtos agrícolas vai ajudar a controlar a inflação e melhorar o poder de compras. Contudo, tem-se como custos diretos a perda da competitividade externa das exportações agrícolas, com a consequente queda na produção e nos empregos do setor.   Em uma economia com tantas imperfeições, onde o governo declarou situação de emergência pública “econômica, financeira, fiscal, administrativa, previdenciária, tarifária, energética, sanitária e social”, talvez a introdução de mais uma (a taxação das exportações), possa ajudar a melhorar essas condições.

[1] https://www.clarin.com/rural/aumentan-retenciones-reforzar-caja-pagara-30-cereales-12-_0_79ens3yi.html

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo – Restrições ao Comércio de Aço: Tarifas x Cotas

Orlando Monteiro da Silva*

Em razão da adoção de barreiras à importação de produtos siderúrgicos pelo governo dos Estados Unidos, no ano passado, a União Europeia (UE) com receio de receber volumes adicionais, estabeleceu cotas para 28 produtos de aço, das quais três são específicas para o Brasil. A tabela abaixo mostra os produtos, as quantidades das cotas, em toneladas e a sua vigência. Essas cotas foram aplicadas com base nas médias das exportações brasileiras para a UE do período 2015-2017 e acrescidas de 5%. Volumes exportados acima dos valores das cotas pagarão 25% de imposto (tarifa).

Produto De 02/02/2019 a

30/06/2019

De 01/07/2019 a

30/06/2020

De 01/07/2020 a

30/06/2021

Laminados à frio 65.398,61 168.214,89 176.625,64
Folhas metálicas 19.730,03 50.748,55 53.285,98
Perfis 8.577,95 22.063,74 23.166,93

Fonte: FIRJAN[1], (2019).

Uma tarifa é uma restrição (aumento) no preço dos produtos enquanto uma cota é uma restrição (limite) nas quantidades importadas. Ambas elevam os preços no país importador e provem uma proteção à indústria produtora desse produto. Em um mundo em que a demanda e a oferta do produto não mudam pode existir uma equivalência entre uma tarifa e uma cota. A limitação das quantidades imposta pelas cotas eleva o preço do produto da mesma forma que o aumento direto do preço pelo aumento da tarifa de importação. Acontece que o mundo não é estático e as condições de demanda e oferta pelos produtos mudam constantemente gerando diferenças entre a adoção de uma tarifa ou de uma cota. Nesse caso, uma cota isola um mercado doméstico do mercado mundial muito mais do que uma tarifa, desde que as variações nos preços do produto no mercado mundial não são repassadas ao mercado doméstico. A única ligação entre os mercados é aquela quantidade da cota. Além disso, administrar um sistema de cotas é mais trabalhoso desde que diversos lotes dos produtos podem entrar em um país por diferentes portos e datas. Então, por que utilizá-las?

A resposta é que, em países onde uma indústria está se tornando cada vez mais ineficiente, uma tarifa promove mais incentivo para que a indústria pare a produção, enquanto uma cota não dá incentivos para que isso aconteça. Com uma tarifa, o país responde, simplesmente importando mais para uma produção doméstica declinante. Com a cota, quando os custos domésticos aumentam, quantidades adicionais não podem ser importadas e só vão ser fornecidas pela indústria interna com preços cada vez mais altos.

Há uma oferta excessiva de aço no mundo e uma disputa ferrenha por acesso aos mercados. Nos países desenvolvidos a indústria do aço tem uma importância fundamental e o subsídio implícito, proporcionado pelas cotas, faz com que a atividade e seus empregos sejam preservados naqueles mercados.

[1] https://www.google.com/search?client=firefox-b- d&q=FIRJAN_NOTA+TECNICA+BARREIRAS+%C3%81+IMPORTA%C3%87%C3%83O+DE+A%C3%87O

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: Pesticidas e Comércio Internacional

Orlando Monteiro da Silva*

Pesticidas são substâncias químicas com ação tóxica utilizadas para eliminar ou prevenir a ação de insetos, ácaros, ervas daninhas, bactérias e outras formas de vida animal ou vegetal prejudiciais à agropecuária. Na legislação brasileira, os pesticidas são denominados de “agrotóxicos” e classificados como inseticidas, herbicidas, fungicidas e acaricidas. No Brasil e na Organização Mundial da Saúde, ocorre, também, uma classificação de acordo com a toxidez. Na Classe I estão os pesticidas extremamente tóxicos cuja embalagem deve apresentar uma faixa vermelha. Nos países desenvolvidos a maioria desses pesticidas são proibidos ou tem um controle rigoroso. Na Classe II estão os altamente tóxicos e na Classe III os medianamente tóxicos, que devem apresentar faixas amarela e azul, respectivamente. A Classe IV contém os pesticidas pouco ou muito pouco tóxicos e apresentam uma faixa verde nas suas embalagens.

Para proteger a saúde dos consumidores, a maioria dos países impoe limites legais máximos para os resíduos (LMR) de pesticidas nos alimentos. A presença de resíduos em alimentos, em níveis acima dos aceitos pelas agências regulamentadoras, pode implicar na devolução dos mesmos ou na restrição do comércio entre os diferentes países. A imposição de LMRs nos alimentos é um dos principais fatores responsáveis pelas notificações dos países ao acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS) da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para evitar que esses LMRs se tornem barreiras desnecessárias ao comércio a OMC recomenda que os países adotem os limites estabelecidos por organizações internacionais relevantes. No caso dos pesticidas, cabe a um Comitê do Codex Alimentarius a responsabilidade em estabelecer os LMRs aceitáveis em nível internacional. O Codex é uma instituição ligada a FAO (Food and Agricultural Organization), órgão das Nações Unidas, que já estabeleceu mais de 4300 LMRs cobrindo mais de 200 pesticidas.

São vários os problemas com a determinação desses LMRs. Um deles é o grande número de pesticidas. Somente no ano de 2019 foram liberados mais de 300 novos produtos[1] para uso no Brasil, muitos deles com ingrediente não liberados em outros países. Outro é que os dados de resíduos de pesticidas necessários para estabelecer os LMRs do Codex são quase sempre gerados nos países desenvolvidos e raramente, para algumas culturas cultivadas nos países pouco desenvolvidos ou em desenvolvimento (ex: frutas tropicais). As condições climáticas e de pragas  mudam nos diferentes países e, portanto, os padrões de uso de pesticidas podem ser bem diferentes. Mesmo se existirem LMRs nesses países, os padrões diferentes de uso podem produzir resíduos que excedem os limites do Codex. A utilização de métodos analíticos menos avançados de detecção acabam aumentado os LMRs, o que pode impedir o acesso dos produtos em outros países. Ressalta-se aqui os LMRs impostos pelas grandes redes privadas de supermercados, que, para se precaverem, acabam adotando limites maiores do que os necessários.

Assim, a capacidade de muitos países de cumprir os padrões do comércio internacional e não ter suas exportações de alimentos barradas nos países importadores, depende de uma aceleração na determinação dos LMRs pelo Codex, que deveria, também, incorporar dados de mais produtos, países e regiões produtoras.

[1] https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/09/30-dos-ingredientes-de-agrotoxicos-liberados-neste-ano-sao-barrados-na-ue.shtml?_ga=2.31835646.1364812648.1576000554-598809095.1576000554

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

 

Artigo: OMC x OCDE

Orlando Monteiro da Silva*

Ainda não foi dessa vez que o Brasil teve acesso à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Fomos preteridos pela Romênia e Argentina (nosso eterno rival) e voltou-se a comparar as vantagens e desvantagens do Brasil abrir mão da sua condição de “pais em desenvolvimento”  na Organização Mundial do Comércio (OMC) para ser membro da OCDE.

A OMC é uma instituição criada para supervisionar o comércio internacional, regulamentar os acordos e os processos de resolução de conflitos comerciais entre os países. O Brasil é membro da OMC desde a sua criação, em 1995, e do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que a precedeu, desde 1948. Atualmente, são 164 países membros, cujos votos no Conselho Geral são iguais, mas que têm direitos diferentes de acordo com a condição econômica autodeclarada pelos países. Os países “em desenvolvimento” por exemplo, tem mais tempo para implantar as normas adotadas pela OMC e não precisam oferecer reciprocidades nas negociações de liberalização comercial. Ao abrir mão dessa condição o Brasil abriu mão, também, desses direitos.

Na OCDE os países membros estabelecem parâmetros conjuntos de regras econômicas e legislativas (políticas públicas) para promover o desenvolvimento e o bem-estar econômico. Ter democracia representativa e economia de mercado são condições primordiais para o acesso e todos os membros têm Produtos Internos Brutos (PIB) e Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) elevados, o que lhe rendeu o apelido de “clube dos países ricos”.  Atualmente a OCDE tem 38 membros e o Brasil é um país observador desde 2007, tendo inclusive já assinado alguns acordos de boas práticas. A grande vantagem de um acesso pleno é a “certificação” de qualidade das políticas públicas do país, o que o tornaria mais atraente para os investimentos internacionais. O país teria suas políticas públicas nas áreas de economia, saúde, educação, segurança, etc, revisadas e adaptadas aos padrões internacionais, tornando-se mais transparente e tendo que melhorar a gestão e os gastos públicos.

O Brasil é um país democrático e uma economia de mercado com um PIB entre os 10 maiores do mundo. Contudo, a renda interna é mal distribuída e o IDH muito desigual entre as regiões, com os indicadores de educação e saúde sugerindo problemas. O acesso à OCDE daria protagonismo ao país na elaboração e acompanhamento de boas políticas e na solução dessas desigualdades, mas não o impede de adotá-las, mesmo não sendo um membro efetivo. O país precisa mostrar à comunidade internacional que está compromissado com a melhoria dessas condições e de outras, tais como o equilíbrio fiscal, o combate à corrupção e a sustentabilidade ambiental.  Em assim procedendo, serão eles os interessados em ter o Brasil como membro, afinal de contas o país é uma grande economia, com um grande mercado e uma forte liderança regional. Deve-se aceitar, contudo, que na ânsia de um acesso rápido à OCDE, cedeu-se mais do que deveríamos. Para agradar e ter o apoio do governo americano, foram concedidas isenções tarifárias e a liberação de vistos consulares, sem contrapartidas. O Brasil abdicou da condição de país “em desenvolvimento” na OMC e não teve acesso ao clube dos ricos na OCDE, caracterizando duas oportunidades perdidas com esse episódio.

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: Guerra Comercial: O Primeiro Tiro

Orlando Monteiro da Silva*

Vive-se, na atualidade, uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China com ações e consequências imprevisíveis para a economia mundial como um todo. Mas qual é a origem e as justificativas para essa guerra? A origem foi a decisão do governo dos Estados Unidos de reduzir o crescente déficit comercial (importações maiores que as exportações), que atingiu 950 bilhões de dólares em 2018. Ao mesmo tempo, o governo cumpriria uma promessa de campanha, protegendo a enfraquecida indústria americana, do que o Presidente Trump chamou de “práticas internacionais agressivas”. Assim, em março de 2018, a Casa Branca adotou sobretaxas (tarifas) de 25% e 10% sobre o aço e o alumínio, respectivamente, alegando um surto de importações (principalmente do aço) com preços abaixo daqueles de mercado e muitas vezes, subsidiados pelos países de origem.

O argumento político utilizado pelos Estados Unidos foi o da proteção essencial à segurança nacional, baseado em uma lei interna (Trade Expansion Act de 1962). Em termos econômicos, a medida configurou-se como uma “salvaguarda“, que é a imposição temporária de taxas adicionais ou restrições nas quantidades importadas, para proteger um setor específico da economia que esteja sofrendo dano pelo aumento nas importações. Ela é diferente de outras medidas de defesa comercial, tais como as medidas compensatórias e as antidumping, quando as retaliações ocorrem sobre uma empresa específica, comprovado o dano à indústria doméstica. No caso das salvaguardas o país adota as restrições sem especificar a empresa ou parceiro comercial que será atingido pela medida. As regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) permitem o uso das salvaguardas desde que observados procedimentos específicos para a sua aplicação. Apesar da medida dos Estados Unidos ter sido aplicada de forma generalizada, deve ser lembrado que as importações do México, Canadá, Brasil, Argentina e Austrália, foram posteriormente isentas daquele aumento das tarifas.

As salvaguardas costumam ser altamente protecionistas, desde que alguns exportadores podem ser punidos simplesmente por produzirem com custos menores (serem mais eficientes) do que os produtores domésticos.

A opção pelo aço deveu-se ao excesso de produção mundial que vem batendo recordes ano após ano. A produção mundial quase dobrou entre 2000 e 2017, com um crescimento de 47,1%. Segundo a Associação Mundial do Aço (WSA)[1] , a produção atual é de 1,69 bilhões de toneladas, com a China sendo o maior produtor (831,73 milhões/ton), seguida da União Europeia (168,31 milhões/ton) e do Japão (101,44 milhões/ton). Os Estados Unidos são o quinto maior produtor mundial (81,61 milhões/ton) e o Brasil o oitavo (34.36 milhões/ton). Em termos de exportações, a China detém 13,5% do mercado, seguida do Japão (6,7%) e da Coréia do Sul (6,0%). Esse excesso de produção tem reduzido os preços e inundado os mercados mundiais, o que gerou a pressão da indústria dos Estados Unidos por proteção e o primeiro tiro dessa guerra comercial com a China.

[1] https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=World+Steel+Association

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: Uma nova guerra comercial está no ar

Orlando Monteiro da Silva*

Após uma reclamação formal feita há 15 anos atrás, os Estados Unidos foram autorizados pelo Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) a aplicarem US$ 7,49 bilhões em tarifas retaliatórias à União Europeia (UE), como compensação aos subsídios ilegais concedidos pela UE à fabricante de aviões Airbus. A primeira sentença ocorreu em 2011, mas como a  UE não suspendeu os subsídios, os Estados Unidos foram autorizados a retaliar.  A opção dos Estados Unidos foi por cobrar tarifas de 10% sobre os aviões e 25% sobre produtos agrícolas e industrializados típicos dos países europeus. Anunciou-se a taxação dos vinhos e azeitonas da França, uísque e roupas de cama do Reino Unido, café e máquinas da Alemanha, queijos da Itália e carne de porco e azeite de oliva da Espanha. A decisão americana vai gerar mais um imbróglio nos mercados internacionais e trazer mais incerteza para a economia.

A solução de controvérsias é considerada o pilar central do sistema multilateral de comércio, por tornar o sistema de negociação mais seguro e previsível. Na época do antigo GATT já existia um procedimento para resolver as disputas comerciais entre os países, as quais eram facilmente bloqueadas e se prolongavam por longos períodos de tempo. Sob aquele sistema, as decisões só podiam ser tomadas por consenso e uma única objeção poderia bloquear a decisão. Com a criação da OMC, em 1995, foi introduzido um processo mais estruturado, com etapas e prazos claramente definidos para a resolução das disputas e sob o qual, as decisões são tomadas automaticamente, a menos que haja um consenso para rejeitá-la. Ao se tornarem membros da OMC os países se comprometem a respeitar os procedimentos acordados e os julgamentos.

Uma disputa surge quando um país adota uma medida ou ação política que um ou mais países membros considere que esteja violando os acordos da OMC. Feita uma reclamação, os países envolvidos tem até 60 dias para conversar e tentar resolver as diferenças. Se as consultas entre eles falharem, o país reclamante pode pedir a formação de um painel de especialistas para julgar o caso. A resolução da disputa é de responsabilidade do Órgão de Solução de Controvérsias, que é uma outra forma do Conselho Geral, formado pelos representantes de todos os países membros, se reunir. É esse órgão que estabelece os “painéis” de especialistas (de 3 a 5 membros) que vão analisar o caso e indicar o que deve ser feito sobre as medidas questionadas.  Ao órgão de solução de controvérsias cabe, também, aceitar ou rejeitar os resultados dos painéis, tendo o poder de autorizar uma retaliação temporária caso o país perdedor não adeqúe a sua política de acordo com a decisão ou recomendação final do julgamento.

O valor da retaliação concedido nesse caso aos Estados Unidos, equivale aos danos causados à empresa americana Boeing e deveria, se possível, ser aplicado em produtos do mesmo setor (aéreo), incentivando a UE a cumprir as normas questionadas. A aplicação de tarifas em produtos agrícolas e manufaturados típicos da UE, inclusive de países que não têm ligação direta na produção da Airbus (Itália), mostra o estilo Trump de fazer política, sempre com alarde e objetivos obscuros. É importante lembrar que a UE tem um processo semelhante na OMC contra os Estados Unidos, pelos mesmos motivos (subsídios dados à Boeing), com decisão prevista para alguns meses. Guerra à vista!

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: As notificações ao Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS)

 Orlando Monteiro da Silva*

Em artigo anterior, fez-se uma descrição sumária do Acordo SPS. Neste, procura-se mostrar como funciona o sistema de notificações SPS.

Por uma questão de transparência, o Acordo SPS requer que os países importadores informem (notifiquem) aos demais países sobre as suas normas e legislações sanitárias e fitossanitárias para conhecimento e possíveis comentários e/ou contestações. Essas notificações, recebidas e distribuídas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) para todos os demais países, são revisadas e monitoradas pelo Comitê SPS que atua como um foro permanente de consulta e negociações entre os países membros, para as questões SPS. Com reuniões quadrimestrais, o Comitê procura estimular a harmonização das legislações nacionais e facilitar consultas e negociações entre os países relativas à imposição de barreiras sanitárias e fitossanitárias ao comércio internacional.

Existem 2 tipos de notificações: as regulares e as emergenciais. Quando uma notificação regular é emitida por um país, os parceiros comerciais têm até 60 dias para se manifestar, a partir de quando elas passam a valer. As emergenciais são emitidas quando ocorre alguma situação sanitária crítica, tal como um surto de doenças como os da gripe aviária ou do “mal da vaca louca”. Nesse caso, as importações são interrompidas e uma notificação de emergência é emitida. São emitidas, também, notificações Addendun e Corrigendum para complementar ou corrigir notificações regulares. A maioria das notificações regulares emitidas são facilitadoras do comércio internacional, pois esclarecem e harmonizam as questões SPS entre os parceiros comerciais, melhorando a qualidade e a demanda pelos produtos. Aquelas que realmente atuam como barreiras são, usualmente, contestadas nas reuniões do Comitê SPS e são conhecidas como Preocupações Comerciais Especificas” (PCE). Elas são contestadas por um ou mais países, por conterem alguma legislação ou norma que seja vista como impedimento ao comércio.

Até julho de 2019 tinham sido emitidas 16.779 notificações SPS regulares, pelos países membros da OMC. Foram emitidas, também, 2.199 notificações emergenciais e levantadas, junto ao Comitê SPS, 456 preocupações comerciais especificas, muitas das quais ainda sem solução.

As notificações regulares emitidas pelo Brasil estão mostradas na figura abaixo. Elas correspondem a 9,6% de todas as notificações regulares já emitidas.

Como grande exportador de produtos agrícolas é de interesse do Brasil que a produção e o processamento internos estejam em linha com as exigências SPS dos demais país, mantendo o acesso desses produtos àqueles mercados.

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.